Nunca pensei que ficaria tão fisgado numa história, mesmo imaginando grande parte do que iria acontecer.
Na imensa maioria das vezes, costumo ler o livro antes de assistir ao filme. Depois de conferir Naquele fim de semana, descobri ter sido adaptada da obra homônima de Sarah Alderson. Então decidi fazer o caminho inverso, porque a narrativa em prosa é minha forma preferida de absorver uma história. A comparação às avessas foi natural, mas aprovei tanto a adaptação quanto o livro, guardadas as devidas proporções e necessidades entre produção literária e audiovisual.
Não sou expert em thrillers, mas pelas obras que já li (poucas se comparado às histórias policiais), descobri que podem ter como base uma pegada policial, ou de horror, erótica, romântica, noir, espionagem ou de outros gêneros. Naquele fim de semana talvez se encaixe no subgênero que vem ganhando simpatia do grande público e é conhecido como domestic noir. Em geral, possuem protagonistas femininas e fortes, mas que também têm defeitos, sendo ambientados em casas ou locais de trabalho. No caso da obra em questão, acompanhamos a tensão vivida por Orla, quando sua melhor amiga desaparece em meio a uma viagem de fim de semana em Portugal.
Casada e mãe de uma bebê de nove meses, Orla deixa a filha com o marido em Londres e vai para Lisboa com Kate, que acaba de se divorciar. Por meio da narrativa em primeira pessoa, nos aproximamos cada vez mais da protagonista e nos aprofundamos de sua amizade com Kate. Por meio de observações pessoais expressadas em breves pensamentos, Orla interage com a gente, completando lacunas de sua vida com fatos aparentemente irrelevantes durante os primeiros momentos da viagem, mas dos quais nos lembraremos ao longo dos dois terços finais da história.
O envolvimento é imediato e logo nos deparamos com o incidente que impulsiona a trama, quando Orla acorda com ressaca de uma noite em que ela e Kate conhecem dois portugueses e os levam para o apartamento que alugaram. Ao se dar conta da ausência de Kate, a mente de Orla precisa preencher as lacunas do que aconteceu para tentar localizar a melhor amiga.
A autora desenvolve muito bem a incerteza da protagonista diante das adversidades encontradas nas primeiras horas após o incidente. Além de estar sozinha numa cidade desconhecida e de se sentir confusa com os eventos recentes, Orla enfrenta um machismo velado ao procurar uma delegacia.
— Vocês levaram dois homens que não conheciam para o apartamento onde estão hospedadas?” Do jeito que ele fala, parece até que isso é algo ilegal. (…) Depois de ter aturado o sarcasmo afiado do Sebastian uma hora atrás não estou com muita paciência. Minha vontade é dizer que estamos no século XXI e que meus princípios morais não são o mistério aqui.
Sem amparo até mesmo da autoridade local, que também se apoia no prazo de 24 horas para não registrar o desaparecimento, Orla tenta reconstruir os últimos momentos de Kate e consegue a ajuda improvável de Konstandin, o motorista de aplicativo que a levou ao bar aonde foi com a amiga em sua primeira noite em Lisboa; o desenvolvimento do reservado Konstandin é uma boa sacada na história, fazendo do imigrante de Kosovo um contraponto ao comportamento agitado de Orla.
A escrita da autora flui com facilidade e as descrições com metáforas precisas fixam as cenas em nossa mente. Não é uma história de suspense violenta, priorizando o foco na busca pelo que aconteceu. A ambientação em Lisboa, na região de Alfama, marca presença com naturalidade, com pinceladas objetivas ao longo da narrativa.
“Olho pela janela, admirando a praça cheia de arcos por onde passamos, com seus prédios de um amarelo brilhante e suas estátuas gigantescas de cavalos e homens em pedestais. Turistas perambulam por toda parte, alguns andando de Segways, muitos posando para fotos, e sinto uma leve pontada. Era isso que Kate e eu deveríamos estar fazendo agora.”
Aliás, um ponto da obra que me deixou bem satisfeito foi saber que o prólogo era diferente do prólogo da adaptação, ambientada em Dubrovnik e Zagreb, na Croácia. Embora mais morno que o da película, mantém a cronologia e retém a incerteza do paradeiro de Kate para o momento planejado na narrativa.
Recheado de reviravoltas e descobertas, a mesma observação vale para o desfecho. Surpreendentes em ambos os formatos, o plot-twist da película leva ligeira vantagem sobre o do livro. Como já tinha assistido ao filme antes de ler, tive a impressão de que adaptaram o roteiro para eliminar qualquer ambiguidade que a autora projetou no original, que, aliás, funciona perfeitamente.
Naquele fim de semana é uma leitura viciante, bem recomendável e pode ser lida em um fim de semana, sem (com) trocadilho.
- Título: Naquele fim de semana
- Autora: Sarah Alderson
- E-book: Editora Record
- 395 páginas

