Discórdias mortais – Prólogo

— Quer saber onde eu tava quando acharam o corpo da dona Berenice?

Ágata Cristine sentou-se na bicama de solteiro do escritório, e os spots embutidos no teto de gesso realçaram sua pele bronzeada. Ela vagueou o olhar pela parede cinza-chumbo, enquanto Jordano ocupava a cadeira giratória da escrivaninha. O investigador inclinou os ombros na direção da jovem.

— A dona Clotilde já me contou que você estava com ela, lavando a louça da ceia. Na verdade, a idosa te confundiu com uma das noras da vítima, mas como duas delas são loiras…

Ágata discordou com a cabeça, chacoalhando os cachos negros volumosos.

— Eu poderia ser a terceira irmã, mas a senhorinha deve ter me confundido com a Natália, por causa da cor do cabelo.

— Enquanto estava na cozinha, ouviu algo relevante?

Uma trovoada desviou a atenção de Ágata para a cortina entreaberta.

— Com esses dilúvios que cismam em cair no Natal, ficou difícil. A dona Clotilde é um podcast ambulante. Ficou contando uma história antiga de uma amiga dela e… — Os dedos da moça alisavam a colcha de cetim com desenhos de rena quando ela se lembrou de ter ouvido o barulho de alguém abrindo a geladeira. — Então o padrasto das garotas apareceu pedindo um celular. É o médico bonitão que abriu a porta quando você entrou no apartamento. Quando ele entrou na cozinha igual camelô fugindo do rapa, saquei na hora que a coisa era séria.

— E depois? — Jordano deslizou as mãos com suavidade pela barba recém-aparada.

— Ele falou que tinha acontecido alguma coisa grave. Então um dos filhos da Berenice apareceu. Falava que a mãe não se mexia.

— Qual filho?

— O Daniel, cunhado da Clarissa, minha amiga. Foi quando o tiozão surgiu dizendo que a Berenice não acordava.

— Quem é o tiozão?

— É o irmão da Berenice. — Um refluxo amargo subiu pelo esôfago de Ágata quando ela se recordou das infâmias do velho durante a ceia. — Então quando o médico disse que a Berenice tinha morrido, eu já tinha ligado os pontos.

— Está me dizendo que ela foi encontrada morta por um dos filhos, pelo irmão e pelo médico?

— Mais ou menos por aí. Porque depois virou um Deus nos acuda! Geral foi saindo dos quartos e… nada tira da minha cabeça que o médico…

— O que tem o médico?

Em poucas palavras, Ágata resumiu o raciocínio ao qual havia chegado minutos antes de ser interrogada.

— Não é jovem demais para saber desses procedimentos?

— Já passei dos trinta. Curiosidade demais e grana de menos.

Jordano ergueu seu quase um metro e noventa de altura e deu dois passos na direção de Ágata. A entonação tranquila do investigador ganhou um tom mais cadenciado.

— Você é a única intrusa da família. Como veio parar aqui?

— Trabalho na mesma loja da Clarissa. É crime ser convidada por uma amiga?

— Dependendo do motivo… — Jordano inclinou o ombro, mantendo firmeza e paciência no tom de voz. — Você mesma pode ter se convidado.

— Isso faz diferença?

— Prefiro deixar a testemunha mentir no começo.

— A sogra da Clarissa, essa tal de Berenice, era uma santa do pau oco! — Ágata saiu da bicama. Suas sandálias pousaram suaves no piso vinílico. — Eu ia passar o Natal sozinha numa quitinete na Vila da Penha, e só vim dar apoio moral. Me convidei, sim. E daí? — Muita calma, moça. Não estou te acusando de nada. Apenas estabelecendo fatos. Quero entender quem é Berenice Amorim e descobrir quem teria motivos para dar um fim nela. — Jordano notou a moça engolindo em seco. — E quase todos os depoimentos apontam para a mesma direção: três noras atravessadas até a garganta com a sogra.

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